Em busca de mercado para suas empresas e de recursos naturais abundantes, a China faz da África uma região estratégica. Serão eles parceiros ou novos colonizadores?
Este é o século em que a China irá comandar o mundo. E nós queremos estar ao lado dos novos líderes." A frase acima fez parte do discurso do presidente da Nigéria, Umaru Musa Yar';Adua, em sua primeira visita oficial à China, no começo deste ano. Mais do que uma retórica diplomática para agradar o governo de Pequim, a sentença é um exemplo de uma disposição que, colocada em prática nos últimos anos, transformou a relação entre os países africanos e a China num dos casos mais intensos de intercâmbio comercial da atualidade. Existem hoje cerca de 750 000 chineses vivendo na África, a maior parte deles trazida a reboque das 800 empresas do país que têm negócios na região. Entre 2003 e 2006, os investimentos diretos chineses no continente passaram de 75 milhões de dólares em 2003 para 520 milhões de dólares - um aumento de quase 600%. Não por acaso, os asiáticos têm sido chamados de "os novos colonizadores da África". "O movimento de negócios é impressionante e se tornou mais intenso a partir de 2000", afirma o pesquisador inglês Christopher Alden, que lançou há dois anos o livro China in Africa: Partner, Competitor or Hegemon? ("China na África: parceira, concorrente ou dominadora?", ainda sem previsão de lançamento no Brasil).
A África já passou por vários movimentos de colonização ao longo da história. No século 14, os portugueses chegaram por lá, na época dos descobrimentos, ocupando as Ilhas Canárias, atrás de ouro, trigo e escravos. Depois disso, vieram França e Inglaterra, que assumiu a liderança da colonização africana a partir do final do século 18 graças ao poderio naval e econômico, estabelecendo territórios em alguns países como África do Sul e Nigéria. Agora, ao que tudo indica, chegou a vez dos asiáticos. Já existem mais chineses hoje na Nigéria do que existiam ingleses no auge do império britânico na África. A presença dos chineses já é marcante em vários setores da economia africana. Eles constroem estradas, hidrelétricas, hotéis, postos de gasolina. Também instalam filiais de suas grandes empresas, como a China Mobile, da área de telecomunicações, e a China Civil Engineering and Construction, uma das líderes do setor de construção. E, sobretudo, seguem atrás da abundância de riquezas naturais da região - o petróleo entre elas.
Um exemplo de investimento recente nessa área foi o contrato de 5 bilhões de dólares fechado pela China National Petroleum Corporation (CNPC) com o governo do Níger, país de 12,4 milhões de habitantes, localizado no centro-oeste da África. Assinado em maio, o acordo visa explorar reservas petrolíferas, estimadas em 324 milhões de barris. De acordo com o pacote acertado, a CNPC construirá uma refinaria e uma rede de 2 000 quilômetros de dutos para a exportação do produto. Em troca do investimento, o Níger vai dividir com os chineses os lucros da exploração de petróleo. Isso deve aumentar ainda mais a importância da África para o governo de Pequim na área de energia. No ano passado, Angola ultrapassou a Arábia Saudita como principal fornecedora de petróleo para a China, suprindo hoje mais de 30% das necessidades do país. O comércio bilateral entre África e China também aumentou dramaticamente nos últimos anos. De acordo com um estudo publicado em abril pelo serviço de pesquisa do Congresso americano, entre 2001 e 2006 as exportações africanas para a China cresceram mais de 485%. A título de comparação, o salto das vendas para os Estados Unidos durante o mesmo período foi de 178%.
O governo de Pequim tem impulsionado nos últimos anos a invasão do continente africano com uma série de medidas. Um dos principais fomentadores da onda é o banco Exim Bank chinês, espécie de BNDES local. Atualmente, o banco estatal financia mais de 300 projetos de empresas chinesas em território africano, com juros baixos e prazos de pagamento a perder de vista. Uma das áreas de especial interesse para a China é o agronegócio. Além de aproveitar o potencial da África para vários tipos de cultura, os chineses encaram a região como uma solução para o drama de seus milhões de agricultores - sem perspectivas de melhora de vida, muitos deles deixam a zona rural chinesa para viver nas metrópoles, agravando o problema de superpopulação nessas áreas. Nos últimos anos, a estratégia do governo comunista tem sido resolver a questão mandando parte dessas pessoas para a África, a reboque das empresas do agronegócio. O Estado oferece ajuda a companhias nacionais para investimentos na África (via Exim Bank) e as auxilia na busca das melhores oportunidades. Com isso, milhares de chineses já trabalham em fazendas em países como Quênia, Uganda, Gana e Senegal.
A exemplo do que ocorre com Yar';Adua, o presidente nigeriano, outros líderes políticos africanos têm estendido o tapete vermelho aos chineses. Além de melhorar a dramática situação da infra-estrutura dos países do continente, o dinheiro chinês tem impacto no crescimento de várias economias da região. Segundo especialistas, o ingresso maciço de capital chinês é um dos responsáveis pela taxa média de crescimento anual acima de 6% registrada nos últimos tempos pelos países da chamada África subsaariana, a porção mais pobre do continente. Aumentar a presença e a influência política chinesa na África é estratégico para Pequim. Há dois anos, por exemplo, o presidente Hu Jintao concedeu 8 bilhões de dólares em empréstimos em condições especiais a Nigéria, Angola e Moçambique.
Colonização asiática | |
1. Investimentos chineses na África (em milhões de dólares) | |
2003 | 75 |
2004 | 317 |
2005 | 392 |
2006 | 520 |
2. Evolução da comunidade chinesa em alguns países africanos | |
África do Sul | |
1990 | 30 000 |
2008 | 300 000 |
Nigéria | |
1990 | 2000 |
2008 | 100 000 |
Gana | |
1990 | 500 |
2008 | 6000 |
3. Exemplos de países que concentram os investimentos | |
Angola O país ultrapassou a Arábia Saudita como o maior fornecedor de petróleo para a China. Hoje, supre mais de 30% das necessidades do país. Em troca, o governo de Pequim financia a juros baixos obras de infraestrutura em Angola | |
Namíbia Concentra boa parte dos investimentos chineses em construção civil no continente. As obras com participação chinesa somam atualmente cerca de 130 milhões de dólares | |
Uganda Mais de 4 000 hectares de terras agricultáveis já foram arrendados aos chineses. O cultivo de grãos é a principal atividade dos fazendeiros asiáticos | |
África do Sul Os empresários chineses participam hoje de vários setores da economia local. Recentemente, o Banco Comercial e Industrial da China comprou 20% das ações do Standard Bank, principal instituição financeira do continente africano | |
Fontes: Unctad, Chris Alden e Centro para Estudos Chineses da Universidade de Stellenbosch (África do Sul) |
O avanço dos chineses em solo africano tem provocado críticas ferozes no Ocidente. Parte delas, é verdade, são queixumes de concorrentes que se sentem incomodados com a chegada de um novo rival a um mercado com grande potencial de crescimento. "Não dá para competir com os custos dos chineses, que encostam no litoral africano navios com centenas de pessoas dispostas a trabalhar por salários baixos", afirma o diretor de uma grande construtora brasileira. Fora as lamentações comerciais, a acusação mais comum é que o governo de Pequim suga os recursos naturais de países pobres da região, oferecendo em troca apenas algumas migalhas. Os chineses seriam, assim, como nuvens de gafanhotos sobre a África. Após sua passagem, pouco restaria para os locais. Não faltam também vozes lembrando que os chineses negociam indistintamente com todos os governos, pouco se importando se eles patrocinam atrocidades ou estão afundados na lama de corrupção.
Outro ponto que provoca polêmica é o potencial explosivo da combinação entre a urgente necessidade africana por capital estrangeiro e o estilo predatório de capitalismo da China. Em grande parte, a estratégia de Pequim em sua invasão do continente consiste em abrir novas fronteiras de consumo para as empresas chinesas. A exemplo do que ocorreu em várias outras partes do mundo, a chegada de algumas delas, com seus produtos de preços baixíssimos, aniquilou boa parte das indústrias locais. Isso ocorreu com as fábricas de têxteis e de calçados de países como Quênia e Suazilândia. Na Nigéria, a crise mais grave ocorreu com o setor de plásticos.
No âmbito do movimento ambiental, os ecologistas têm calafrios só de pensar nos estragos que os chineses podem causar à África, um paraíso da biodiversidade, se reproduzirem por lá os mesmos métodos utilizados em seu país de origem - ou seja, promovendo o "progresso" à custa do emporcalhamento do ar, dos rios e do esgotamento dos recursos não-renováveis numa velocidade enorme. Por ora, os chineses não se impressionam com nada disso. "Somos acusados de fazer o papel de neocolonizadores, mas o fato é que as contribuições da China durante 50 anos têm levado a diversos países africanos a riqueza e o desenvolvimento que os países ocidentais que exploraram o continente durante 400 anos jamais trouxeram", afirma Li Ruogu, presidente do Exim Bank. À primeira vista, o argumento dos chineses é muito bom. Mas, como um crime não justifica o outro, o governo de Pequim terá de dar melhores demonstrações ao mundo de que a invasão de negócios chineses pode trazer mesmo algum alento a uma das regiões mais pobres e castigadas do mundo.
Fonte:Luciene Antunes, Revista EXAME
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