sábado, 19 de março de 2011

Operação Lagosta - Parte III Final

Operação Lagosta - Parte III Final
A guerra que não aconteceu


O Tartu é substituído

A França resolveu enviar o Tartu de forma solitária. Mais cedo ou mais tarde um navio-tanque teria que abastecê-lo e prestar apoio logístico ou uma outra unidade de combate seria enviada para substituí-lo. Caso o navio-tanque Baise deixasse o grupo do Clemenceau, este e os outros nove navios que o acompanhavam ficariam sem suporte. Sobrava então a opção de substituir o Tartu por outro navio equivalente que acompanhava o grupo do Clemenceau. No entanto, a decisão surpreendeu os brasileiros e até mesmo muitos franceses. Decidiu-se enviar o aviso Paul Goffeny, reconhecidamente um navio muito menos capaz que o Tartu. Era um navio limitado em todos os sentidos para operar distante de um grupo de apoio ou de bases costeiras. Em alguns aspectos exercia atividades semelhantes às corvetas Imperial Marinheiro da MB, sendo um pouco maior e mais armado que estas últimas, porém mais desatualizado. 
As estações radiogoniométricas passaram a rastrear as emissões eletromagnéticas do Paul Goffeny também e descobriram que o encontro entre o Tartu e o Aviso francês ocorreria no dia 2 de março. 


O comandante do GT 12.2 ordenou então que o contratorpedeiro Pará se dirigisse para o local provável do encontro. Às 9:15h um avião da FAB comunicou ao Pará que já orbitava sobre os navios franceses e passou a posição para o contratorpedeiro brasileiro. O contato visual com o contratorpedeiro francês ocorreu às 10:34h. Junto com ele estavam o Paul Goffeny e os seis pesqueiros. O Pará passou a acompanhá-los de longe e às 12:59h o Tartu adotou o rumo 032º, em direção à África. Mesmo assim, o Pará permaneceu na região acompanhando a movimentação dos navios. No dia seguinte foi rendido pelo Pernambuco. 



Uma mensagem do Tartu para Dacar solicitando o seu reabastecimento foi interceptada, indicando que o mesmo realmente se retirava da área. Para confirmar esta informação, os P-15 acompanharam a viagem de retorno do Tartu por um longo tempo. 



A troca do Tartu pelo Paul Goffeny foi um grande alívio para os brasileiros. De certa forma era uma clara indicação de que o governo francês havia recuado, mas não capitulado. O assunto também perdeu destaque na imprensa e o povo francês teve o seu interesse grandemente reduzido. Somente entre os armadores de Camaret houve uma revolta contra a atitude de seu governo.

O navio  Paul Goffeny

Chegada dos reforços 

Enquanto parte dos navios da Marinha deslocados para a zona de operação sofria reparos de emergência, os navios do GT 12.2 continuavam monitorando os pesqueiros franceses e o Goffeny. O Pará que havia rendido o Paraná, seguia acompanhando o grupo francês. Ainda no dia 7 de março um dos seis pesqueiros retirou-se da área. O que parecia ser mais um alívio, transformou-se em tensão novamente quando notícias desencontradas davam conta que o contratorpedeiro Jauréguiberry (da mesma classe do Tartu) seguia para a costa brasileira. Mas este, posteriormente, tomou o rumo na direção de Dacar. No dia 8 mais um lagosteiro afastou-se do litoral brasileiro. 

Por volta das 18:00h do dia 9 o Araguari rendeu o Pará e este retornou para Recife assim que passou o serviço. Na manhã do dia 10 o Paul Goffery e os quatro lagosteiros afastaram-se do Atol das Rocas seguindo na direção de Dakar. A informação foi confirmada por uma aeronave da FAB. Parecia ser o fim de um período de muita tensão. 


Posteriormente soube-se que a decisão foi muito mais econômica do que política. Os navios de pesca, por estarem fora da plataforma continental, ficaram sem pescar por mais de um mês, acarretando grande prejuízo para os armadores. 



Considerações finais

A Operação Lagosta (ou Guerra da Lagosta como ficou mais conhecida na imprensa nacional) foi mais um exemplo dentre vários existentes na história brasileira de como o país é dependente de suas Forças Armadas para garantir sua soberania e seus interesses, ambos questionados pela França neste episódio. A França, uma das últimas nações do mundo que o Brasil poderia imaginar ter que enfrentar num conflito armado, tornou-se da noite para o dia uma ameaça concreta ao país. 


Pode-se, e deve-se, trabalhar com hipóteses de conflitos mais prováveis e enumerar potenciais agressores, mas as Forças Armadas devem sempre estar prontas para o pior e para o improvável, independentemente de como e de onde venha a ameaça. Isto já era uma verdade naquela época. No mundo atual é mais do que a garantia da sobrevivência.Pode-se dizer que foi um caso esporádico ou mesmo um evento solitário dentro de um amplo histórico de amizade entre os dois países e que uma situação como aquela dificilmente se repetiria. Para o desencanto dos defensores desta idéia, ela repetiu-se. No final de 1978, durante a chamada "guerra do camarão", França e Brasil chegaram a posicionar suas unidades militares nas proximidades do Cabo Orange, junto à fronteira entre os dois países (Amapá e Guiana Francesa). Nesta ocasião a mobilização foi menor e somente o contratorpedeiro Rio Grande do Norte foi deslocado do Rio de Janeiro. No referido evento, quatro pesqueiros de bandeira norte-americana foram metralhados por navios da MB e posteriormente apreendidos. Um deles, na época denominado Night Hawk, foi incorporado à MB e hoje serve ao CIABA. 



Se a atitude belicosa da França foi uma surpresa, o que dizer da reação do governo norte-americano em relação aos navios arrendados? Países aliados, e até mesmo parceiros em acordos de defesa mútua, podem assumir posições, se não neutras, diametralmente contrárias. Foi uma dura lição (e a história está cheia delas) de que não existem países amigos, mas sim países com interesses comuns. Quando estes interesses perdem o sentido ou são suplantados por outros interesses maiores, os países "amigos" afastam-se. A propósito, durante toda a crise, nenhum país, formal ou informalmente, apoiou ou sustentou a tese brasileira. 



Aprendeu-se muito com o episódio. A mobilização tempestuosa das unidades, dada a urgência do caso, mostrou que uma marinha deve possuir um número mínimo de unidades sempre preparadas para situações emergenciais. Para isso, ela deve estar devidamente equipada e seus homens perfeitamente adestrados durante o período de paz. Depender de verbas contingenciadas e ficar no aguardo de promessas de novas emendas e créditos suplementares, que vagam ao sabor de congressistas despreparados, não é a forma mais correta de se ter uma marinha atuante. 



Uma avaliação posterior indicou que a mobilização e o envio de um grande número de navios de combate foi desnecessária. Porém, naquele momento, era difícil afirmar que a reação francesa limitar-se-ia somente ao envio do contratorpedeiro Tartu (posteriormente substituído pelo Aviso Paul Gofeny), sendo que na costa africana existia uma Força-Tarefa tão ou mais poderosa que toda a Marinha do Brasil. 


Por outro lado, a movimentação dos diversos navios da MB demonstrou a determinação do Brasil em manter a sua posição e transmitiu a impressão de que todos os meios estavam plenamente operantes e em estado de alerta. No caso da dúvida, a França resolveu não apostar no pior ou numa aventura militar descabida. Este é um exemplo clássico de dissuasão, tarefa básica do Poder Naval e papel fundamental de qualquer marinha que se preze. 


por Guilherme Poggio 
Fonte - Poder Naval Online: http://www.naval.com.br

Um comentário:

Unknown disse...
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