domingo, 17 de abril de 2011

Rojão de Fogo




Aproveitando a visita realizada na Base Aérea de Florianópolis, me lembrei deste evento acontecido no ano de 1982, durante a Guerra das Malvinas, quando ocorreu a interceptação de um avião de guerra inglês que violou o espaço aéreo brasileiro. Ainda me lembro hoje da apreensão que sentíamos, com um conflito de grandes proporções perto de nosso território, havia especulação sobre qual o comportamento adotado pelo Brasil. Considero o conflito pela posse daquelas ilhas, como um dos maiores eventos para o continente sul-americano durante o século XX. Uma guerra que deixou muitas cicatrizes, mas isto é um assunto para outro post...
Transcrevo abaixo uma reportagem realizada pelo jornalista Carlos Lorch para a Revista Força Aérea.


Black Buck 6 - Uma missão de combate que acabou no Rio de Janeiro




As Ilhas Falklands/Malvinas ficam no Atlântico Sul, a 3.886 milhas náuticas da Ilha de Ascensão, esta, uma pequena elevação vulcânica localizada no meio do Atlântico, equidistante entre o Brasil e a África, e mais ou menos no través de Salvador, na Bahia. Apesar de ser uma possessão britânica, a ilha é usada, por empréstimo pelos Estados Unidos que operam aeronaves militares da Base Aérea de Wideawake, que possui uma pista de pouso única medin­do 3.054 m. Durante a guerra, em abril, maio e junho de 1982, ela foi o ponto avançado das forças britânicas que se empenharam na retomada das ilhas.
A pista asfaltada de Port Stanley, previamente utiliza­da apenas por aeronaves civis, deixava os ingleses preocu­pados. Se fosse estendida pela Força Aérea Argentina, ja-tos de combate poderiam obrigar a força-tarefa despacha­da para a retomada das ilhas a operar de uma distância tão grande que suas aeronaves Sea Harrier, reconhecidamente de pouco alcance e autonomia, perderiam as vantagens operacionais que tinham sobre seus oponentes: o treina­mento de suas tripulações e os mísseis de geração mais moderna. Caso operassem mais perto das ilhas, a frota bri­tânica estaria sob a ameaça de aeronaves de ataque capa­zes até de afundar um dos dois porta-aviões britânicos em volta dos quais estava baseado o esforço de combate da Royal Navy.
O número de aeronaves argentinas capazes de operar no teatro de operações também preocupava os britâ­nicos uma vez que no início dos combates eles só poderiam contar com cerca de 20 jatos. A guerra encontrara a Grã-Bretanha no meio de uma reestruturação de suas forças armadas, devido principalmente a uma mudança no balan­ço de forças entre a Otan e o Pacto de Varsóvia. Suas forças aéreas, tanto a RAF quanto a Fleet Air Arm, da Marinha, mudavam seu enfoque que criara uma força eminentemente estratégica para outra de cunho tático.

Poucas aeronaves britânicas possuíam alcance sufici­ente para chegar às Falklands/Malvinas. E só uma delas era capaz de fazê-lo com armamento suficiente para causar danos à pista do aeroporto de Stanley.

O Avro Vulcan era um bombardeiro nuclear de confi­guração em delta com uma envergadura de 30,18 metros e peso máximo de decolagem de 77.111 kg. Fazia parte do trio de aeronaves construídas na década de 50 para serem a principal arma de dissuasão do Reino Unido, os bombar­deiros V: Vulcan, Valiant e Victor. Em 1982, o Valiant já havia dado baixa, o Victor havia sido transformado em rea-bastecedor aéreo e aeronave de reconhecimento, e a maior parte dos Vulcan já havia sido desativada. Com a guerra requisitando seus serviços, os bombardeiros foram prepa­rados para o combate.
Avro Vulcan

Três Vulcan, escolhidos a dedo nos Esquadrões 44, 50 e 101 foram despachados para a base norte-americana de Wideawake, na Ilha de Ascensão, de onde operariam con­tra as forças argentinas nas Ilhas Falklands/Malvinas. Antes de deixarem a Grã-Bretanha, sofreram algumas modifica­ções visando ao tipo de combate que enfrentariam no Atlân­tico Sul. Na Base de Waddington, em Lincoln, receberam probes de reabastecimento há muito desativados, e os pi­lotos voltaram a treinar o REVO com os Victor. O equipa­mento lançador de bombas convencionais substituiu as bombas nucleares que há algum tempo constituíam o ar­mamento padrão daqueles grandes bombardeiros. Agora, poderiam levar 21 bombas convencionais de 1.000 libras cada. Cada avião recebeu também o sistema inercial Carroussel para que conseguisse navegar com mais preci­são sobre as vastidões do Atlântico. A capacidade de com­bustível do grande bombardeiro era de cerca de 41.800 kg. de querosene, o que nem de perto permitia um voo de ida e volta até o teatro de operações que ficava a 4.000 milhas náuticas dali. Os ingleses montaram então uma longa linha de reabastecimento composta por 11 Victor que se reabas­teceriam no caminho posicionando-se para completar cin­co vezes o tanque do Vulcan na ida e mais uma na volta, quando retornaria em altitude e, portanto, gastando bem menos combustível do que na ida. Alguns dos Victor deco­lariam somente para reabastecer um outro Victor. Seria uma missão extremamente precisa. Outros dois Victor perma­neceriam em Wideawake como aeronaves-reserva. Ao todo, 998.800 kg de querosene seriam utilizados pelo Vulcan em cada missão!
A primeira missão Black Buck foi lançada na noite en­tre 30 de abril e 1° de maio. Dois Vulcan decolaram de As­censão rumo às Falklands, o primeiro como aeronave titu­lar e o segundo como reserva. Não tardou muito para que o avião titular desenvolvesse uma pane. O segundo Vulcan então assumiu a missão enquanto a tripulação da aeronave que originalmente faria a missão retornava para Ascensão extremamente chateada. Um dos Victor também teve que retornar por não conseguir estender sua cesta de reabastecimento. O avião reserva decolou imediatamente assumindo sua posição.
Após os cinco reabastecimentos nos Victor, o Vulcan XM607, comandado pelo Flight Lieutenant Martin Withers, chegou sobre o aeroporto de Port Stanley/Puerto Argenti­no e despejou 21 bombas de 1.000 libras, num intervalo pré-calculado que visava colocar pelo menos uma delas no centro da pista. A linha de bombas caiu sobre o aeródromo no sentido transversal, ou seja, cruzando a pista lateralmen te. Enquanto diversas bombas caíram sobre um acampa­mento erguido do lado do aeródromo, uma delas acertou o centro da pista abrindo uma enorme cratera, fato confirma­do por uma missão de reconhecimento com caças Sea Harrier lançados de um dos porta-aviões da frota britânica na manhã seguinte. O ataque abriu as hostilidades pegan­do os argentinos de surpresa. Até aquele momento reinara a sensação de que a guerra não ocorreria, limitando-se a uma série de movimentações intimidadoras. As bombas de Martin Withers acabaram com qualquer dúvida de que a coisa era para valer.
Em pouco tempo, equipes de solo con­sertaram o estrago na pista causado por Withers, tendo o cuidado de deixar terra sobre ela para despistar o reconhe­cimento inglês - o que de fato ocorreu. Em pouco tempo os C-130 Hercules da FAA que ressupriam a guarnição nas ilhas já estavam pousando por lá outra vez.
Duas noites mais tarde, os britânicos lançaram a se­gunda missão Black Buck, num perfil muito parecido com o da primeira. Algumas mudanças foram efetuadas somente nos procedimentos de reabastecimento, armando-se um trem de jatos Victor mais eficaz do que o que fora montado na primeira Black Buck. Os estragos não foram marcantes.
A terceira Black Buck, na noite de 13 de maio, foi cance­lada. Aeronaves Nimrod que constantemente faziam mis­sões de patrulha sobre as ilhas alertaram para a existência de fortes ventos de proa o que poderia comprometer a efi­cácia da missão de reabastecimento até o TO.
A essa altura, a preocupação dos ingleses não era mais com a presença de jatos de combate operando das ilhas e sim com o lançamento de missões de ataque contra a frota que navegava a nordeste das ilhas. Os argentinos já havi­am demonstrado sua capacidade de lançar ousados ata­ques contra os navios, buscando incessantemente os dois porta-aviões ingleses, o HMS Hermes e o HMS Invincible, que eram a chave das ações ofensivas inglesas no teatro de operações. Preocupava acima de tudo a utilização por parte da aviação aeronaval argentina, dos mísseis Exocet lança­dos por aeronaves Super Étendard. Utilizando os radares tridimensionais AN/TPS-43 montados em Port Stanley/ Puerto Argentino, os operadores argentinos conseguiam localizar a frota britânica seguindo os Sea Harrier até o pon­to em que sumiam do radar, o que demonstrava estarem pousando a bordo de seus navios. Para os britânicos não restava mais dúvidas: aqueles radares precisavam ser co­locados fora de ação!
Na noite de 28 de maio, um Vulcan decolou de Ascen­são armado com dois mísseis anti-radiação AGM-45 Shrike em pilones que haviam sido engenhosamente improvisa­dos às pressas em Waddington. Levavam ainda no interior da fuselagem, três tanques de combustível com cerca de 4.500 kg de querosene cada. Cinco horas após deixarem o chão, os tripulantes do Vulcan tiveram que retornar à As­censão devido a uma pane no sistema de reabastecimento de um dos Victor. A aeronave em questão estava numa posição crítica que poderia comprometer seu retorno se fi­casse voando por mais tempo. Seu retorno inviabilizava todo o sensível esquema de reabastecimento do Vulcan. Ainda não seria naquela noite que os radares de Stanley seriam atacados. Três noites mais tarde, a RAF tentou de novo.
O Vulcan seria o do Number 50 Squadron, tendo aos comandos o Squadron Leader Neil McDougall, um tacitur­no escocês com longa experiência em missões ofensivas.
Depois da sequência de reabastecimentos em voo, o Vulcan se aproximou das ilhas a baixa altura subindo em seguida para 16.000 pés a fim de atiçar os operadores dos radares argentinos. O míssil precisava do radar emitindo durante todo o processo de aquisição do alvo, disparo e guiamento. McDougall ingressou sobre a cidade de Port Stanley em plena vista dos radares diretores de tiro, mas estava acima do alcance dos canhões. Seu oficial de ele-trônica embarcada Rod Trevaskus lançou alguns pacotes de chaff para aumentar ainda mais os retornos eletromagnéticos. A tripulação de McDougall sabia onde estavam os radares, especialmente um que estava colocado perto de casas dos moradores da cidade e cujo ataque havia sido proibido. O piloto então rumou para noroeste da ci­dade e retornou num mergulho rumo ao alvo. Ao adquirir os sinais do radar, Trevaskus, no assento traseiro, dispa­rou os mísseis com quatro segundos de diferença entre um e outro começando imediatamente a contar os segun­dos que se passavam após o lançamento. O ruído dos rada­res de busca chegava cristalino através do RWR. De repente os pilotos viram um cla­rão no solo, e logo em seguida outro. O primeiro míssil impactou a cerca de 10 metros de distância do radar principal atingindo-o, no entanto, so­mente com pequenos fragmentos. Outro míssil destruiu um radar diretor de tiro que estava perto. Logo após o ataque inicial, os operadores argentinos desligaram o ra­dar de busca preservando-o assim de qualquer dano. En­quanto isso, o Vulcan de McDougall aproou o norte subin­do para uma altitude na qual gastaria menos combustível e onde se encontraria com o reabastecedor que garantiria seu regresso para casa. Apesar de terem destruído um radar diretor de tiro, a missão fracassara. Os argentinos não somente continuavam capazes de saber onde estava a frota, mas agora estariam alertados para a possibilidade de ataques com armas anti-radiação.
Mas na noite de 2 para 3 de junho, Neil McDougall, a bordo do Vulcan XM597, taxiou para a cabeceira de Wideawake, aguardou a autorização da torre e, assim que ela chegou, suavemente empurrou as quatro manetes de potência até o batente iniciando sua longa corrida de de­colagem.

Vulcan decolando da Ilha de Ascensão

Black Buck 6 

Dessa vez, o grande bombardeiro levava quatro mísseis Shrike sob as asas. Poucos segundos depois de iniciada a rolagem na pista, McDougall e sua tripulação já estavam nivelando e aproando o sul.
Horas mais tarde, o XM597 se aproximava das ilhas. Repetiu a rota de ingresso vindo do nordeste à baixa altu­ra. Na posição preestabelecida subiu para 16.000 pés e se preparou para o ataque. Só que dessa vez os argentinos sabiam o que esperar de uma aeronave se comportando daquela maneira e quando o Vulcan estava a nove milhas do aeródromo de Stanley, um a um, os radares argentinos começaram a sair do ar. Quando os ingleses passaram e se voltaram novamente para o mar, os sons no RWR co­meçavam a voltar. E assim se sucedeu em diversas passa­gens. Um jogo de gato e rato eletrônico no qual a tripula­ção do Vulcan não encontrava seu alvo de maneira algu­ma. McDougall então resolveu fazer uma última tentativa para não ter que jogar fora sua missão. Curvando sobre o Atlântico abaixo ele resolveu fazer um passe na direção da pista do campo, quase como se estivesse vindo para o pouso. Os argentinos poderiam pensar que o Vulcan tam­bém estivesse armado com bombas convencionais e acen­der seus radares para defender o aeródromo. Dito e feito. Quando atingiram 10.000 pés um dos radares começou a emitir e logo em seguida a artilharia passou a buscá-los. De repente McDougall viu quatro explosões debaixo do Vulcan e um pouco à sua direita. Rod Trevaskus adquiriu seu alvo e lançou os dois Shrike que impactaram no solo perto de um radar Skyguard diretor de tiro. O piloto já es­tava erguendo o nariz do avião e tratando de dar o fora dali quando os mísseis chegaram ao chão. As explosões não acertaram o radar caindo próximo de onde estava e matando três militares argentinos que compunham sua equipe. Em poucos segundos, o silêncio voltou para Port Stanley/Puerto Argentino. E McDougall e seus homens já estavam longe dali.
Oh, merda...! 


Quatro horas mais tarde grande parte do estresse da mis­são já havia passado. As Falklands/Malvinas haviam fica­do a 2.500 milhas ao sul. Com a musculatura mais relaxa­da e a respiração mais pausada, os tripulantes do XM597 rumavam para o norte a 20.000 pés, margeando a costa da América do Sul. Já estavam no ar há mais de 12 horas. Guiados por um avião Nimrod MR2 de patrulha marítima que utilizava seu potente radar Searchwater para ajudá-los a encontrar o Victor que os reabasteceria um pouco mais à frente, sabiam que dali em diante o voo seria tranquilo. Estavam fora do alcance da defesa aérea argentina. Pouco depois, McDougall viu à sua frente o que certamen­te era uma visão reconfortante, a cauda em T de um Victor, seu posto de gasolina no céu! Posicionou-se atrás e sob a asa direita do reabastecedor e cautelosamente ma­nejou as manetes e o manche mirando seu probe na cesta que flutuava serena diante de seu pára-brisa. Com um movimento seguro o Vulcan chegou mais perto do avião-tanque até que o probe ingressou na cesta e RRRRRRUUUUUUUPPPPPPPPR De alguma forma foi ar­rancado da fuselagem do Vulcan. Podia ter sido um erro de pitocagem. Ou talvez fadiga de material. Mas a verda­de é que sem o probe não dava mais para o grande e can­sado bombardeiro receber combustível..."Oh, merda!"Disse alguém na fonia...
A partir de então, só havia uma coisa a fazer, alternar o aeródromo mais próximo, e rezar para que se conseguisse chegar!
O co-piloto do Vulcan era o Flying Officer Chris Lackman. Cabia a ele fazer os cálculos de combustível da missão. O Vulcan, aeronave dos anos 50, não dispunha de nenhum equipamento moderno capaz de prover esses da­dos de forma mastigada para a tripulação. Não demorou muito para que Lackman olhasse friamente nos olhos de McDougall e declarasse que não havia chance de continua­rem até Ascensão, e no perfil de voo em que se encontra­vam, dificilmente chegariam sequer à costa brasileira. Para piorar as coisas, existia um vazamento de com­bustível num dos tanques localizados no bombbayúo avião.
E, por ser numa posição central da fuselagem, Lackman era forçado a utilizá-lo para equilibrar o centro de gravidade da aeronave. Era preciso tomar decisões urgentes, e a mais imedia­ta era a de subir para voar em ar mais rarefeito. Assim, eco­nomizariam combustível e poderiam chegar mais longe. Ocorre que antes de erguer o nariz do Vulcan, ainda tinham um problema a resolver. No ataque a Stanley, o XM597 ha­via lançado dois mísseis Shrike. Mas outros dois permane­ciam pendurados nos pilones. Além de causarem grande arrasto o que consumia mais combustível do que se o avião estivesse o mais liso possível, não poderiam estar a bordo quando o bombardeiro pousasse num país neutro. Qual­quer associação com um conflito bélico poderia ser preju­dicial ao bem-estar da tripulação, sem contar que não traria benefícios de relações públicas à causa britânica. E tratando-se de uma arma da Otan, os AGM-45 não poderiam cair nas mãos de um país não-alinhado com àquela organização. Os mísseis teriam que sair dali, e rápido. Trataram de fazer uma busca radar à frente do avião para se certificarem de que não havia nenhum navio na proa. É claro que naquele momento vigorou a Lei de Murphy! Pois havia diversos contatos ao norte o que fez com que McDougall virasse para o leste e após nova busca se certificasse de que o mar esta­va limpo naquela direção. Foram poucos segundos, mas quando se está com pouco combustível um segundo já é muito!
O piloto empurrou então o manche para frente até que o nariz do Vulcan mergulhasse num ângulo de 45°. O oficial navegador/radar Flight Lieutenant Dave Castle disparou os Shrike sucessivamente para não perder tempo. Com um clarão e um forte ruído, saiu o míssil do lado direito. Mas o do lado oposto não disparou.
Passaram-se alguns segundos até cair a ficha.
"Está preso!", disse o oficial responsável pela eletrôni-ca de bordo, o Fl Lt Rod Trevaskus, "Não consigo soltá-lo!"
McDougall, nem pensou. Reverteu a manobra passan­do a subir numa curva, ascendendo e rumando para o oes­te. Não havia mais tempo a perder. McDougall então em­purrou as maneies para frente solicitando potência total dos quatro motores. Mesmo gastando muito combustível na subida, sabia que o quanto antes chegasse aos 40.000 pés, maior seria a distância que percorreria. Ele era um piloto extremamente experiente no Vulcan, e conhecia o desem­penho daquela máquina como ninguém. Já na subida, pe­diu uma proa para o aeródromo mais próximo. A resposta já estava sendo calculada: Rio de Janeiro!
Perto dali, o Victor e o Nimrod da missão os acompa­nhavam a uma distância segura. Eles iriam segui-los até o limite do espaço aéreo brasileiro. Mas naquele momento McDougall não tinha tempo para eles. Quando atingiram o nível 400, McDougall pediu ao pi­loto reserva, o Flight Lieutenant Brian Gardner, para juntar todo e qualquer documento confidencial que estivesse a bordo. Ele não tencionava pousar com eles. Em pouco tem­po códigos, mapas, frequências operacionais e outras in­formações sensíveis foram recolhidos. Gardner esvaziou uma lata de rações e espremeu a papelada dentro dela. A única maneira de alijar qualquer coisa de dentro de um Vulcan era através da portinhola de escape, de opera­ção hidráulica localizada no chão e na parte frontal da cabi-ne. Ocorre que abrir qualquer porta de um avião a 40.000 pés é uma missão hercúlea. Sem contar que naquela altura a sobrevivência só seria possível se os tripulantes respi­rassem oxigénio puro através de suas máscaras, a ainda assim por um curto período de tempo. Mas McDougall não queria aqueles documentos em mãos estranhas e deu a ordem para que se abrisse a porti­nhola de escape. Depois de igualar a pressurização da cabine com a de fora, e de trazer as manetes para trás diminuindo a veloci­dade do jato até o pré-estol McDougall fez com que todos checassem o fluxo de ar de suas máscaras e pediu a Gardner que abrisse a portinhola e alijasse a lata.
Gardner ajustou seu cinto, e acionou o comando da portinhola que abriu deixando entrar um furacão de ar ge­lado que logo tomou conta da cabine. Empurrou a lata, à qual estavam afixados pesos adicionais para garantir que afundasse, em direção ao vazio, vendo-a cair rumo ao vas­to oceano abaixo. Em seguida acionou a alavanca para fe­char a portinhola e ...nada! Ela não havia sido feita para ser acionada em voo! Não havia nada que poderiam fazer na­quela altitude além de continuar em frente, o desconforto de terem que voar no limite do combustível agora acompa­nhado de um frio glacial que nem suas roupas térmicas especiais conseguiam afastar. Finalmente, tremendo de frio, Rod Trevaskus acionou o botão do rádio e começou a transmitir.


Brasil 
Era um dia claro e ensolarado em Brasília. Na sala do Cen­tro de Controle de Área de Brasília, do CINDACTA l (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), ouviu-se um chamado incomum na frequência de emer­gência (121.5).
- " Mayday, Mayday, this is Ascott 2357, Mayday, Mayday".
Esta chamada-rádio, muito pausada, e naquela fleuma britânica, repetiu-se duas ou três vezes, até que o controlador do Setor Rio, que abrangia toda a área do Rio de Janeiro, estendendo-se por mais ou menos 350 km para dentro do Oceano Atlântico, respondeu à chamada:
- (controlador): "Ascot2357, this is Brazilian Center, go ahead."
-(piloto): "say callsign again!!!" Aí já não tão fleumaticamente como antes.
- (controlador): "Ascot2357, this is Brazilian Center, go ahead."
A reação do piloto foi disparar uma série de informa­ções, sobre a situação do seu voo, em uma velocidade, agora sem fleuma britânica, e com tantos dados, que o controlador só disse uma frase:
- "Sayagain."
O piloto disse então, mais ou menos o seguinte: "Ascot2357, position...., due shortage offuel, unable to go further than Rio, request immediate diversion to Rio".
A transcrição de tudo o que o piloto falou naquele con-tato-rádio nunca foi possível de se realizar, nem mesmo com a ajuda de um americano que dava aulas de Inglês para algumas pessoas do CINDACTA, pois havia frases impossíveis de serem entendidas. Após algumas trocas de mensagens entre controlador e piloto, o piloto acionou o seu transponderno modo A, o código internacional de emergência, que é 7700. O radar secundário do Pico do Couto, em Petrópolis (RJ), passou a detectar o avião, e, mais tarde, o radar primário também o detectou, e não somente aquele avião, mas também outros dois que voavam perto dele. Graças ao nosso sistema brasileiro ser integrado, con­trolando-se a Circulação Aérea Geral, integradamente com a Circulação Operacional Militar (infelizmente alguns desavisados e outros mal intencionados, e muitos farejan­do dinheiro, querem destruir este sistema), ao mesmo tem­po que o Centro Brasília tentava dar assistência ao avião que se declarava em emergência, na sala ao lado, no Cen­tro de Operações Militares (COpM/Defesa Aérea ), acompa nhava-se a ocorrência, e aguardava-se uma definição da identificação daquela aeronave.
O controlador do Centro Brasília solicitou, várias ve­zes, que o piloto se identificasse, e a resposta era sempre:
- (piloto): "this is Ascot 2357, a fourjets."
Diante dos fatos conhecidos, o COpM (Defesa Aérea) acionou o 1° Grupo de Caça para uma missão de interceptação real, ou seja, com aviões armados.
O que o controlador do CINDACTA l estava ouvindo era a voz de Rod Trevaskus, mas sua transmissão dentro da máscara apertada e a situação de pressão na cabine faziam com que sua voz chegasse como se fosse a do Pato Donald! "Lembro-me bem ", recorda-se um controlador, "que ele só nos disse tratar-se de um avião com quatro motores. Ele repetiu várias vezes tratar-se de uma aeronave com f ou r jets', mas falava muito rapidamente e mal conseguíamos entendê-lo". Enquanto os controladores em Brasília tenta­vam administrar aquela situação inusitada, outros aconte­cimentos começavam a ocorrer a cerca de mil e duzentos quilómetros dali, na Base Aérea de Santa Cruz.

Rojão de Fogo! 

F-5E Tiger II
Naquele mesmo momento, na Base Aérea de Santa Cruz, a oeste do Rio de Janeiro, os Capitães-Aviadores Raul José Ferreira Dias e Marco Aurélio dos Santos Coelho haviam acabado de fazer o checkexterno de dois caças Northrop F-5E Tiger II do 2° Esquadrão do 1° Grupo de Aviação de Caça, e já se ajustavam em seus assentos antes de sair para uma missão de navegação a baixa altura (NBA) com tiro-foto no estande da Marambaia no regresso. "Nós fazíamos a mis­são de navegação saindo de Santa Cruz em direção ao Vale do Paraíba, e depois retornávamos pela Baía da Ilha Gran­de para atacar o objetivo, que era na Marambaia", conta o então Capitão Dias. "Eu me lembro que quando nós está­vamos nos preparando para guarnecer nossos aviões, vi o avião de alerta voltando de um acionamento. Naquela épo­ca, era comum se fazer dois acionamentos do alerta, um pela manhã e outro à tarde, para treinamento. Ou seja, na­quele exaro momento não havia aeronave de alerta dispo­nível."Eram cerca de dez horas da manhã e o dia não podia estar melhor para voar. "Era um dia belíssimo", continua Dias, "daqueles de pós-frontal que entusiasma qualquer pi­loto. De repente notei um dos mecânicos correndo para o meu avião, abrir o cofre e dar o golpe no canhão! Lembro que gritei: 'Ei, não! A missão é de tiro-foto! Não vamos sair armados'". O Capitão Dias já estava de capacete e pouco ouvia além de sua própria respiração e o rugir dos motores a jato que costumam encher qualquer rampa de base aérea operacional. No meio daquela confusão, já estava aciona-da a sirene de alerta, mas esse foi o único barulho que ele não conseguiu ouvir. "Aí, o mecânico me fez um sinal com a mão que eu entendi como sendo de 'liga o rádio'/" Dias fez o que ele pediu e aí não restou mais dúvida do que esta­va acontecendo: "Quando eu liguei o rádio imediatamente ouvi o Joca*, coitado, se esgoelando na frequência para fazercontato conosco. tspadas é o Joca, Espadas é o Joca!' ( Joca - Oficial de Permanência Operacional (OPO) de Santa Cruz). Ele berrava tanto que eu tive que esperar uma brecha na fonia para poder responder, 'prossiga', eu disse para ele, 'Espadas na escuta...'"O hoje Major-Brigadeiro Dias conti­nua o relato transportando-se novamente para aquele 3 de junho; "Eu sei que nós éramos a esquadrilha de Espadas porque eu sempre voava Espadas. Eu era o Operações do Esquadrão mas havia sido o Comandante de Espadas en­tão eu mantinha aquele código rádio comigo. O Joca então falou algo que modificou de imediato todo o cenário. Ele disse "Rojão de Fogo!' e imediatamente soubemos que a coisa era para valer!"
Rojão de Fogo era o indicativo de um alerta real. Os aviões partiriam para interceptar uma aeronave em situa­ção de combate. Raul Dias ainda não estava totalmente amarrado no assento, mas assim mesmo deu partida e saiu rumo à pista de decolagem. "Eu só pensava em chegar à cabeceira primeiro porque a doutrina naquela época ditava que num alerta respondido por mais de um avião, aquele que chegasse na frente à cabeceira liderava a missão! Por isso eu completei minha amarração no táxi. Quando che­gamos à posição de decolagem, fizemos os checks finais e decolamos na ala. Uma coisa que me marcou foi que PRIMAV (indicativo da torre de Santa Cruz) nos passou di-reto para Thor (Indicativo da Defesa Aérea do CINDACTA l, em Brasília) sem nos passar antes para Taba (código da aproximação em Santa Cruz) ou pelo Controle Rio, e Thor pediu 'Subida PC Maxi, deu nos bearing (direção magnéti­ca) tal, anjos (nível de voo) três dois zero'."
Os dois pilotos do Pif-Paf haviam treinado a vida intei­ra para aquele momento. Mas quando ele veio pegou-os de surpresa. "A verdade é que nada te prepara para um alerta real", diz o então Capitão Coelho. "A adrenalina co­meça a correr no corpo e a excitação é grande. Mas, apesar disso, o treinamento parece tomar conta de você e as ações começam a acontecer automaticamente. O que me chamou a atenção, além do corre-corre natural de um momento como aquele, foi o fato de que recebemos as pranchetas do alerta com os códigos secretos que nos dariam a autoriza­ção para abater o alvo em voo. Elas ficavam trancadas com o oficial de inteligência e só eram passadas aos pilotos do alerta em situações reais. E naquele momento elas esta­vam sendo entregues para nós!"
Após o táxi, os Tiger decolaram na pista 04 e logo curvaram à direita tomando a proa do mar. Raul Dias reto­ma a narrativa: "Pouco depois da decolagem aproamos a zona sul e com o PC (Pós-Combustão) a pleno, subimos com o pé no horizonte e com a viseira molhada! Quando finalmente nivelamos aos trinta e poucos mil pés eu co­mandei uma linha de frente tática. Se não me engano o Coelho estava na minha direita e ele abriu. Lembro-me que eu nivelei no dorso porque a subida tinha sido tão agressiva que quando chegou no nível eu pus o avião no dorso, segurei de nariz e nivelei. Só que na hora em que nivelamos entramos supersônico. Nem pensamos nas consequências que aquilo poderia ter. Afinal de contas estávamos num Rojão de Fogo!"
Naquele momento a cidade inteira descobriu que algo estava acontecendo porque um òoomsônico a atingiu em cheio assustando os seus cerca de cinco milhões de mo­radores! Enquanto a população carioca se recuperava do susto, as ações se sucediam a cerca de dez quilómetros de altura. O Vulcan de McDougall vinha descendo numa rampa suave buscando chegar na costa brasileira. A comunicação era difícil porque o oxigénio pressurizado que emanava das máscaras que a tripulação usava fazia com que cada pala­vra tivesse que ser gritada. O barulho dentro da cabine era enorme porque o fluxo de ar que entrava pela portinhola de escape misturado ao som das turbinas do bombardeiro fazia de qualquer comunicação em tom normal algo im­possível. Trevaskus identificou o jato somente como uma aeronave de quatro motores omitindo exatamente quem era e de onde estavam vindo. O controlador do COpM, no entanto, conseguia ver claramente os três plotes voando em formação. Evidentemente ele não deixou transparecer que os interceptadores brasileiros voavam na direção con­trária e no seu alcance. Até aquele momento tanto o Nimrod quanto o Victor envolvidos na missão continuavam a comboiar o Vulcan até onde podiam. As autoridades ingle­sas em Ascensão também já haviam sido avisadas através de comunicações seguras. O Vulcan nivelou aos 20.000 pés. Abaixo daquela altu­ra, as chances de sobrevivência no caso de uma parada dos motores seriam mais difíceis. Mas ainda havia um proble­ma. O Shrike pendurado tranquilo sob a asa do Vulcan es­tava armado e poderia causar problemas na aproximação e no pouso. Bastava para isso, que a sua cabeça de guiamento encontrasse emissões "apetitosas" pela frente, um radar do Pico do Couto, ou do Galeão, por exemplo. Uma boa sacudidela também poderia ser desastrosa. Mas àquela altura o míssil era um risco que a tripulação de McDougall teria que enfrentar. Aos 20.000 pés o frio diminuíra assim como a pres­são do ar e Gardner finalmente conseguiu fechar a porti­nhola de escape. A cabine rapidamente deixava de ser um local hostil. Diretamente à frente do nariz do Vulcan, a mais ou menos Mach 1.3, porém a cerca de 10.000 pés acima, Dias e Coelho queimavam o céu buscando sua presa. "Na minha lembrança", relata o Capitão Coelho, "tivemos um tempo de reação muito rápido, naquelas condições de acionamento. Os minutos que consumimos para decolar, após o primeiro entoar da sirene, não cabem em todos os dedos das mãos. Quando já estávamos em voo, rumando para o alvo, sempre o tivemos frente a frente. O que não permitia uma detecção radar ideal. Posso dizer que não foi fácil encontrá-lo". O então Capitão Dias completa, "A primeira informa­ção de Thor que chegou era mais ou menos o seguinte: Eram três aviões não identificados que estavam seguindo para o Rio de Janeiro. Imediatamente vimos uma trilha de condensação à nossa frente fazendo uma curva ascendente à direita de onde deveria estar o alvo e para o nosso lado esquerdo. Mas logo depois o alvo saiu do nível de trilha e desapareceu". No COpM, o pessoal da Defesa Aérea acompanhava o voo daquela aeronave ainda sem identificação. Ainda não ficara claro qual era o problema com o jato inglês, a não ser o que foi entendido naquela primeira chamada-rádio, ou seja: ele estava com pouco combustí­vel, não podia ir além do Rio, e queria orientação para um pouso imediato. A decisão, então, era de orientar o avião para o Galeão. Esta tarefa era conduzida pelo Centro de Controle, e tudo acompanhado pela Defesa Aérea, que a seu tempo vetorava os caças para o rumo mais direto possível em direção ao alvo ainda desconhecido. Os três aviões ingleses vinham voando meio enviesado rumo à costa brasileira e quando o controlador do Centro Brasília ordenou que o Ascot 2357 curvasse para um melhor ajuste de aproximação direta para a pista 14 do Galeão, aquela curva, coincidentemente, o colocava de proa com os interceptadores, o que causou certo "frisson" nos controladores dos caças, pois imaginou-se que o avião inglês ia partir para o combate; mas a tensão foi logo des­feita ao saber-se o que se fazia na sala ao lado (Centro de Controle); mais uma vez, graças ao nosso sistema ser to­talmente integrado. Naquele momento, a escolta do XM597 deixava o pe­sado bombardeiro à sua própria sorte e abandonava o es­paço aéreo brasileiro. Certamente foi esse o movimento que os pilotos do Pif-Paf viram diante de seus caças. Os pilotos brasileiros vasculhavam o céu à sua frente como manda o figurino, com um dos caças varrendo o céu com seu radar à frente e acima do horizonte enquanto o outro fazia o mes­mo para abaixo do horizonte. Mas não havia nada à frente na tela de seus radares de bordo! "Quando passamos a linha da praia", continua Dias, "comandei o check de ar­mamento conforme dita a doutrina. Ligamos os canhões, demos as rajadas padrão e prosseguimos. Naquela época, apesar de nossos radares conseguirem alcançar cerca de 20 milhas, para um avião do tamanho daquele ali a umas 18/17 milhas já deveríamos ter tido contato, por mais que estivéssemos frente a frente com ele". Ocorre que, naque­le momento, o radar tridimensional do CINDACTA l, o Volex III estava inoperante. Os controladores de Brasília então só conseguiam ver o plote primário e secundário (só modo A) do alvo, não dispondo de informações sobre a sua altitude. Esta era estimada pelos controladores e passadas para os caças que já estavam no local. Só que eles não conseguiam ver a aeronave que rapidamente se aproximava da cidade porque a distância já era muito curta e a diferença de altura entre os caças e o Vulcan grande demais. O Vulcan, que voava a cerca de 10.000 pés abaixo dos caças já havia saí­do do cone de varredura do radar dos F-5E. A esta altura, o controle já havia informado à esquadrilha de Espadas que o alvo era uma aeronave inglesa. O grande bombardeiro já estava a umas 25 milhas da Boca da Barra que separa a Baía de Guanabara do mar e o operador em Brasília vinha cantando pelo rádio a distância que separava os caçadores doalvo. "Quando o controlador disse:'Dez milhas', eu aban­donei a tela de radar e comecei a olhar para fora", lembra-se o Brigadeiro Dias transportando-se para a cabine de seu F-5 naquele dia ensolarado. "De repente, o controlador dis­se: 'Piotes confundidos.' E aí eu não tive mais dúvida. Fiz um movimento com a cabeça girando com o avião ao mes­mo tempo e coloquei o caça no dorso. E ai eu vi aquela enorme 'arraia' voando embaixo de mim. E dali de onde eu estava eu comandei: Tally Ho!, é um Vulcan. Judite. Espa­das Dois, Cobertura!' E o fiz de forma absolutamente auto­mática. Zero raciocínio! Porque era aquilo que a gente fazia todos os dias".
Imediatamente Dias manobrou sua aeronave em um mergulho para concluir a interceptação do intruso. Foi só nesse momento que se soube qual era o tipo de avião que voava em direçáo ao Rio, em emergência.
"Eu vinha atrás e quando o Dias fez a manobra, que na verdade era um retournement, eu o segui, em cobertura e atento na manutenção do visual, porque o ala nunca pode perder o seu líder de vista. Principalmente numa situação como essa. Ao completar a manobra para me posicionar onde eu teria que estar, que era protegendo o meu líder, me lembro que vi o Pão de Açúcar perto", complementa Coe­lho. Raul Dias assume a narrativa: "A manobra havia nos colocado atrás do alvo. Eu me lembro que logo que nivelei atrás dele eu girei um 'tonneauzão' para matara velocida­de, e fiquei na asa esquerda dele enquanto o Coelho se posicionou às suas seis horas. Em seguida, comecei a fazer os procedimentos padrão previstos em qualquer interceptação enquanto chamava o Vulcan na frequência 121.5 como manda o figurino." Preocupado com o estado de seu nível de combustível, McDougall não respondeu às interpelações do piloto brasileiro e continuou rumando para o Rio de Janeiro.
"Nada. O bicho não falava nada!" Lembra-se Dias: "O capacete deles do tipo HGU-2Tera bem padrão todo bran­co e não como os nossos, que eram cheios de 'firula'. A sensação que eu tinha era a de que ele mexia levemente a cabeça e me olhava de rabo de olho. Mas não falava nada! Só mantinha a reta do jeito que vinha. "Ocorre, no entanto, que Raul Dias não estava gostando muito daquilo.
"Eu então disse para o meu ala: 'Coelho, fica de olho que eu vou fazer esse cara falar com a gente'. "Vinte e cinco anos depois do episódio, o piloto brasileiro cerra os olhos quase imperceptivelmente quando se lembra: "Eu então dei uma 'asada' nele." E talvez por um segundo apenas se lembra que é um Oficial General da Força Aérea Brasileira e pausa a narrativa considerando se devia ter dito aquilo. Mas o piloto de caça dentro dele fala mais alto e ele confirma: "Dei mesmo."

Dias passou com o Tiger da esquerda para a direita diante do nariz do Vulcan. E como se aquilo não bastasse, girou um tonneau por sobre o bombardeiro da RAF vol­tando para a posição que ocupara anteriormente ao seu lado. "Quando passei por ele, cheguei a vê-lo se abaixar dentro da cabine. Aí ele finalmente olhou para mim e en­trou na fonia." A ideia inicial do COpM era levar o Vulcan para Santa Cruz, mas no rápido diálogo que se seguiu ficou claro para todos que acompanhavam aquele momento que o grande bombardeiro não teria combustível para aquilo.
"Eu não havia notado inicialmente que ele estava com problemas", continua o líder da Esquadrilha de Espadas, "mas quando olhei com cuidado, notei que o probe de reabastecimento que fica bem na frente da cabine do Vulcan estava quebra­do. Nessa coordenação entre eu, Thor e ele ficou definido que nós o acompanharíamos até o pouso. Daí para frente passamos a acompanhá-lo visando o seu recolhimento com segurança no Galeão onde pousaria na pista 32".
O Vulcan sobrevoou a cidade já com o trem baixo e todo flapeado para perder altura, mas seus problemas ain­da não haviam terminado. Segue o depoimento de um dos controladores: "Enquanto o Vulcan se aproximava do Rio de Janeiro, o Controle de Brasília mandou que o piloto pas­sasse para a frequência do Controle de Aproximação do Rio, mas ele negou-se a mudar daquela frequência de emer­gência (121.5). Foi preciso, então, fazer-se a coordenação entre o Centro de Brasília e o Controle do Rio, dando ao piloto as coordenadas para o pouso. No entanto ele res­pondeu que não teria combustível para efetuar sequer um circuito para se aproximar da pista em uso. O Centro Brasília perguntou se ele conseguia ver a pista ao que ele respon­deu afirmativamente. 'Então pode pousar nela', foi o que disse o controlador". Ele agora vinha para uma longa final na pista 32.
McDougall estava alinhado com a pista do Galeão, mas vinha alto demais. Com cerca de seis milhas para o pouso, o Vulcan ainda voava a uns 20.000 pés. Precisaria descer de uma só vez o mais rapidamente possível. Ele então puxou as manetes para idle, estendeu os freios de mergulho, e entrou numa curva descendente em espiral puxando dois Gs e com uma inclinação de 65°. Sem o empuxo de seus motores, o avião começou a descer verticalmente, quase numa queda livre. Mas quando estava a cerca de 250 pés, e a 3/4 de milha da cabeceira, McDougall aplicou potência total e sentiu o jato voltar a voar sob tração novamente. Estava perfeitamente alinhado com a pista 32 do Galeão! O comandante do Vulcan ganharia a Distinguished Flying Cross (DFC) por aquela manobra, mas interessantemente, nenhum dos dois pilotos brasileiros que acompanhavam o Vulcan até o pouso se recorda dela. O então Capitão Dias olhava o Vulcan de cima: "Me impressionou o silêncio que de repente se abateu na fonia sobre o Galeão", lembra, "o Controle havia tirado todo mundo da área. Fizemos mais algumas passagens sobre o aeroporto e quando vimos que ele estava livrando a pista rumo ao estacionamento, pedi proa de Maloca via Barra e rumamos para Santa Cruz. Sobrevoamos a Zona Sul da ci­dade e quando estávamos já no través da Pedra da Gávea, minhas pernas começaram a tremer! Chamei o Coelho no rádio e disse para ele que eu estava com as pernas tremen­do. 'E como é que você acha que estão as minhas!?!' veio a resposta!". Era o nível de adrenalina que estava começan­do a abaixar no corpo dos dois pilotos brasileiros.
Os dois F-5E chegaram sobre a Base Aérea de Santa Cruz, mas não pousaram. Seus dois pilotos os levaram para a área de instrução e fizeram acrobacias na ala até que se esgotasse o combustível. Em seguida entraram no circuito, fizeram um pilofe e vieram para o pouso. Já no chão taxiaram até o Esquadrão onde praticamente todo o efetivo da Base os esperava para recebê-los, e curiosos, para saber como havia sido a missão. Afinal de contas, aquela havia sido a primeira interceptação real na História do 1° Grupo de Aviação de Caça!
Vulcan pousado no Galeão
Conclusão 

McDougall e sua tripulação permaneceram por mais oito dias no Brasil sendo bem tratados por seus colegas da FAB, que os alojaram no Cassino de Oficiais da Base Aérea do Galeão. Passaram a maior parte de seus dias no Brasil to­mando banho de sol na piscina da Base. No dia 11 de junho subiram no XM597 e decolaram rumo a Ascensão. O míssil Shrike, no entanto, ficou no Brasil. Na noite seguinte, os ingleses voaram a última missão Black Buck, de número sete. Bombardearam posições de tropa argentinas perto de Stanley. Suas bombas convenci­onais vindo a cair do lado leste da pista sem maiores con­sequências. Pouco depois a guerra terminava.
"O que fica é a satisfação do dever cumprido e a constatação de teratuado com profissionalismo", conclui o então Capitão Coelho, "colocar aquele 'm' na caderneta de voo, e que denota uma missão real pode não significar nada para muita gente. Mas para nós vale muito. Porque signifi­ca que fizemos aquilo que esperavam de nós quando o momento chegou. Para nós aquele 'm' foi maiúsculo".
O boom sônico que sacudiu a cidade do Rio de Janeiro foi interpretado por muitos de formas diferentes. Houve quem dissesse que o Gasómetro do Rio tinha explodido. Para a maioria o que ocorrera de verdade só veio à tona às oito horas da noite, no Jornal Nacional. Raul Dias, no entanto, sentiu a repercussão pouco depois de pousar: "Eu estava na sala do OPO (Oficial de Permanência Operacional) que na­quela época era bem à esquerda de quem entra no Esqua­drão. Estava fazendo o relatório imediato da missão quando tocou um dos vários telefones que se alinhavam no console à minha frente. Eu atendi automaticamente e disse: Bom-dia, OPO, Grupo de Caça...' Foi quando uma voz em altos brados irrompeu do outro lado dizendo: 'Aqui é o Coronel Fulano. Quero saber imediatamente quem era o piloto de F-5 que estava fazendo firulasem cima do Galeão...'. Eu confes­so que até hoje não sei quem foi, mas peço que me perdoe, porque como um bom e jovem capitão com a adrenalina ainda fluindo no corpo, eu falei algumas coisas que eu não devia."Coelho também teve tempo para pensar naquele 3 de junho após estes 25 anos: "Aquele boom sônico pesou durante algum tempo na minha consciência ", recorda, "por­que parece que o metro parou, e que alguém que estava limpando vidros no vigésimo terceiro andar de um edifício quase caiu
. Mas a verdade é que naquele dia, todo mundo lembrou que tem uma Força Aérea! ".

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Jornais da Época



Em breve mais posts sobre este conflito...


Fernando Franco

2 comentários:

Ricardo Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Muito descriptivo. Gostaria de sua autorizaçao para traducirlo ao espanhol e compartir a historia com os foristas de aviacion argentina. Claro mencionado seu nome como fonte de origem